O antropólogo Roberto Damatta já dizia por aí que o futebol é um ritual, um drama no qual pelo jogo se salientava alguns aspectos da vida social brasileira, como o jogo de cintura, a malandragem, a arte em detrimento à força física, enfim. No entanto, o que as pessoas que estiveram presentes no estádio Maria Lamas Farache, o “Frasqueirão”, em Natal-RN nesse fim de semana presenciaram foi um outro drama, protagonizado pela Polícia Militar local.
Parte da torcida comemorou o gol do ABC acendendo sinalizadores, deixando a visibilidade do campo comprometida por causa da fumaça. Em meio à empolgação, alguns jovens torcedores subiram no alambrado para comemorar, e a partir daí começou o “show de horrores” da truculenta PM norteriograndense que, em meio à fumaça dos sinalizadores saiu distribuindo cacetadas em meio ao público localizado próximo ao alambrado, sem medir força ou ao menos observar os destinatários das “borrachadas”, coisa inviável devido à cortina de fumaça dos sinalizadores. O problema é que, em meio aos dois ou três jovens que no auge orgiástico de ver a bola na rede subiram o alambrado, haviam mulheres, crianças e idosos, que acabaram sendo vítimas dos cegos cassetetes da PM.
Achando pouco, a maior representante do poder repressivo do estado, subiu as arquibancadas em busca de novas vítimas, forjando uma caçada a pessoas que supostamente havia revidado a agressão iniciada pelos despreparados policiais. Eu estava bem perto, e era perceptível a gratuidade daquela aplicação desproporcional de violência por parte dos PMs, pois não havia revide, não havia um só torcedor revidando as cacetadas, jatos de pimenta e bastões de descarga elétrica utilizados pelos policiais. Eles pareciam fazer aquilo por puro prazer, talvez achavam que o jogo estava muito “morno” e decidiram trazer um pouco de adrenalina pras suas vidas monótonas. Aliás, os bastões elétricos eram a novidade do momento para a PM do RN, o que deixou transparecer que os policiais estavam mesmo querendo testar seu brinquedinho novo.
Contudo, o espetáculo violento proporcionado pela PM no estádio Frasqueirão no último domingo teve uma contrapartida que me causou uma pontinha de prazer: a platéia passou a tomar posição no conflito: uma massa uníssona de quase 18.000 indivíduos à beira de tomar consciência do poder que, juntos, podem ter passaram a gritar palavras de ordem contra a polícia. “ô, ô, ô respeite o torcedor”, “covardes! covardes!”, “ei, polícia, vá tomar no cu”, etc. Naquela tarde 18.000 seres humanos puderam, por um efêmero momento, se questionar a respeito do papel do aparelho repressor do estado, que é financiado e mantido por seus impostos - inclusive aqueles advindos da compra do ingresso do jogo, da cervejinha tomada na arquibancada, do saquinho de pipoca comprado pro filho. E os filhos! Nossos filhos e filhas, que foram obrigados a macular a visão de um espetáculo incrível que é um estádio lotado, entrando em êxtase com a iminente conquista de um título estadual.
Os lamentáveis fatos que presenciamos no último domingo trazem à tona a velha questão a respeito do papel e da própria necessidade de existência dessa instituição pública repressora – e não protetora como se pretende – que é a polícia militar; que sob o argumento de se manter a ordem, extravasa sua pulsão agressiva em um espetáculo de violência gratuita e sem razão.
Cyro H. de Almeida Lins
Grupo Pau e Lata
Natal-RN
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